terça-feira, 26 de outubro de 2021

Devaneios de pandemia

 

Mais de um ano vivendo em pandemia, entre altos e baixos. Os altos nunca são muito altos e os baixos são sim muito, muito baixos. Me pergunto se um dia esse modo de viver pandêmico será somente uma vaga lembrança de um período ruim. Porque, às vezes, é difícil lembrar de como era a vida antes de termos o covid-19 entre nós. Aqueles tempos de usar batom vermelho, de sair para encontrar pessoas, de andar na rua sem medo, de viajar, de usar brincos sem prender as orelhas na máscara, de conhecer gente nova, de dar abraços. 

Faz tempo que queria escrever sobre esse período. Não porque eu tenha qualquer coisa boa para escrever, não mesmo, e não porque queira me lembrar dos anos de 2020 e 2021 um dia. É por necessidade de colocar para fora as angústias, na esperança de que isso ajude. 

Às vezes, eu sento no sofá no final da tarde e fico me perguntando se é muito cedo para ir para cama. Porque eu só quero que o tempo passe, dormindo talvez passe mais rápido. Esses são os baixos de que falei no início. Os mais baixos são os dias em que eu nem quero levantar da cama, que eu levanto apenas para o estritamente necessário e volto. Se for um dia menos ruim eu assisto televisão e escuto podcasts. Queria contabilizar quantas horas de podcasts já escutei desde que iniciou a pandemia. Tenho certeza que são centenas. Conseguir escutar podcast é um alívio, porque nos dias mais sombrios, nem em escutar eu consigo me concentrar. 

Percebo o quanto estou ansiosa pela comida que consumo. Incontáveis idas ao supermercado para preencher o vazio da minha vida com comida. Cá estão dez novos quilos desde que a pandemia iniciou. Dos males o menor. Li várias reportagens sobre como as pessoas engordaram na pandemia. Engordaram, envelheceram e estão mentalmente desgastadas e doentes. Paciência. Ainda consigo vestir a maioria das roupas, especialmente as velhas que são repetidamente usadas. Também estou dois anos mais velha desde o início dessa nova vida.

A maior contradição de todas é o meu novo emprego em regime home office. Ele acaba comigo. Sento na frente do computador para vestir uma máscara, representar uma personagem caricata: alguém solidária, que se importa, que gosta do que faz, bem-humorada, quase alegre. Tudo uma mentira. O contraditório é que eu sou ótima representando esse papel. Até eu me surpreendo com o quanto sou boa fingindo. Parece fácil, mas é mais esgotador do que parece. 

É contraditório porque eu absolutamente amo aprender. Percebi que quando aprendo sou feliz. Me sinto em evolução. Me sinto desafiada e isso é incrível. Uma pena que ainda não saiba o que eu gostaria de aprender para seguir como profissão. Outra contradição. Sei que não é o que eu faço atualmente. Me sinto um desperdício.

Esses últimos vinte meses parecem todos meio iguais já. Como um sonho meio desbotado. Sempre os mesmos dias intermináveis, se repetindo sempre da mesma forma. São raras as vezes que eu saio de casa para além do supermercado, dá até para contar nos dedos. São raras as pessoas que eu vejo. É como se eu não tivesse mais uma vida. Acordar de manhã e pensar que tudo vai se repetir, sem surpresas, um dia exatamente igual ao anterior, sem nada especialmente bom ou animador, sem nenhuma emoção, é a pior parte. Sempre as mesmas coisas, sem nenhuma esperança de novidade. É como se eu não fosse mais a protagonista da minha própria vida, como se eu fosse apenas um fantoche vivendo esse sonho apagado. 

Tem dias que me pergunto como será o tal do novo normal. Nunca mais conhecer pessoas novas por medo de se contaminar se não com covid, com alguma outra doença. Logo eu que adoro conhecer gente. Nunca mais se aglomerar demais, shows e festas parecem algo do outro mundo. Nunca mais viajar sem restrições. Abraços só se forem com uma dose de medo adicionada. Não gosto desse mundo novo.

Acho que este texto está cheio de interrupções, de pontos finais, de frases curtas. Exatamente como meus pensamentos. Especialmente aqueles que me atormentam no meio da noite quando eu perco o sono: o pessimismo, a sensação de ser um fracasso, a incerteza, a indecisão sobre quem eu quero ser e o que eu quero fazer, a sensação de não ser boa o suficiente para nada, o medo de não merecer nada de bom. É uma espécie de auto tortura. Eu verdadeiramente gostava da pessoa que eu era antes da pandemia. Eu me sentia bem comigo mesma e agora eu me sinto assim. 

A pior parte é perceber que a pandemia está me tornando uma pessoa pior do que eu era e não melhor. Não sinto como se eu estivesse progredindo, me tornando um ser humano mais forte, mais dócil, mais cheio de predicados. Fico imaginando se nos períodos da História repletos de incertezas, como guerras, as pessoas que viveram esses momentos depois se sentiram melhores, mais vivas e conseguiram ser mais felizes. Eu temo que isso não aconteça, que reste somente uma versão pior de mim mesma, mais entristecida e com menos energia e menos força de vontade.

Queria escrever um final bacana para esse texto, um final esperançoso. Não. Já foi um pouco duro escrever tudo isso, o registro do que a minha vida se tornou, algo oco. Mesmo que milagrosamente a pandemia acabasse em um estalar de dedos, o meu sonho borrado continua da mesma forma. Um dia após o outro, já foram tantos, talvez um dia seja diferente. Quem sabe um dia será diferente não é mesmo?